terça-feira, 9 de dezembro de 2014

40 - CONVERSA- A Unção dos Reis bíblicos e a sacralização da pessoa do Monarca.

Onction de David par Samuel,
fresque sur bois,
Synagogue de Doura Europos,
siècle II


Unção dos Reis bíblicos e a
sacralização da pessoa do Monarca.

Nenhum povo foi mais ingrato a Deus do que os israelitas nos tempos bíblico.
Choraram até de saudades das cebolas do Egito. (Números 11: 5 “Lembramo-nos dos peixes que, no Egito, comíamos de graça; dos pepinos, dos melões, dos alhos silvestres, das cebolas e dos alhos”.)
Enquanto Moises estava no alto do Monte Sinai falando com o Senhor para Dele receber as Tabuas da Lei, “povo de Israel então forçou a Arão a fundir um ídolo- um Bezerro de Ouro-  para que eles adorassem e assim fossem reconduzidos ao Egito “, conhecido em hebraico como Khet ha'Egel (חטא העגל) e é descrito na Bíblia, no livro de Shemot.
Na Bíblia crista em Êxodo, capitulo 32, versículos de 1 a 8:
Mas, vendo o povo que Moisés tardava em descer do monte, acercou-se de Arão e lhe disse: Levanta-te, faze-nos deuses que vão adiante de nós; pois, quanto a este Moisés, o homem que nos tirou do Egito, não sabemos o que lhe terá sucedido.
Disse-lhes Arão: Tirai as argolas de ouro das orelhas de vossas mulheres, vossos filhos e vossas filhas e trazei-mas.
Então, todo o povo tirou das orelhas as argolas e as trouxe a Arão.
Este, recebendo-as das suas mãos, trabalhou o ouro com buril e fez dele um bezerro fundido. Então, disseram: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito.
Arão, vendo isso, edificou um altar diante dele e, apregoando, disse: Amanhã, será festa ao SENHOR.
No dia seguinte, madrugaram, e ofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se.
Então, disse o SENHOR a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminho que lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou, e lhe sacrificou, e diz: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito.
Fim da passagem bíblica.
Durante os 300 anos que se seguiram, os israelitas não tiveram nenhum chefe único reconhecido por todas as tribos. Cada tribo vivia sob um chefe particular e governava-se segundo os costumes do regime patriarcal”.
O Profeta Samuel ficou velho e passou o cargo de Líder do povo para seus filhos, que não honraram a divina incumbência, e o povo então pediu um Rei.
I Samuel, capitulo 8, versículos de 4 a 9:
Então, os anciãos todos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e lhe disseram: Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que nos governe, como o têm todas as nações.
Porém esta palavra não agradou a Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos governe. Então, Samuel orou ao SENHOR.
Disse o SENHOR a Samuel: Atende à voz do povo em tudo quanto te diz, pois não te rejeitou a ti, mas a mim, para eu não reinar sobre ele.
Segundo todas as obras que fez desde o dia em que o tirei do Egito até hoje, pois a mim me deixou, e a outros deuses serviu, assim também o faz a ti.
Agora, pois, atende à sua voz, porém adverte-o solenemente e explica-lhe qual será o direito do rei que houver de reinar sobre ele.
Ao meu ver o Senhor não gostou nada do pedido, mas é Deus magnânimo e assim atendeu ao pedido de seu povo escolhido.
I Samuel, capitulo 9, versículos 1, 2, 15,16, 17:
Havia um homem de Benjamim, cujo nome era Quis, filho de Abiel, filho de Zeror, filho de Becorate, filho de Afias, benjamita, homem de bens.
Tinha ele um filho cujo nome era Saul, moço e tão belo, que entre os filhos de Israel não havia outro mais belo do que ele; desde os ombros para cima, sobressaía a todo o povo.
Ora, o SENHOR, um dia antes de Saul chegar, o revelara a Samuel, dizendo:
Amanhã a estas horas, te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirás por príncipe sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo das mãos dos filisteus; porque atentei para o meu povo, pois o seu clamor chegou a mim.
Quando Samuel viu a Saul, o SENHOR lhe disse: Eis o homem de quem eu já te falara. Este dominará sobre o meu povo.
I Samuel, capitulo 10, versículos 1, 24,25:
 Tomou Samuel um vaso de azeite, e lho derramou sobre a cabeça, e o beijou, e disse: Não te ungiu, porventura, o SENHOR por príncipe sobre a sua herança, o povo de Israel? (O homem ungido era Saul, o Rei Saul, membro da tribo de Benjamim)
Então, disse Samuel a todo o povo: Vedes a quem o SENHOR escolheu? Pois em todo o povo não há nenhum semelhante a ele. Então, todo o povo rompeu em gritos, exclamando: Viva o rei!
Declarou Samuel ao povo o direito do reino, escreveu-o num livro e o pôs perante o SENHOR. Então, despediu Samuel todo o povo, cada um para sua casa.
Mais, o Rei Saul fez o que é mau perante os Olhos do Senhor.
E Samuel ungiu a Davi, filho de Jesse, o belemita (nascido em Belém)
1 Samuel, capitulo 16, versículos 1, 3,11, 12 e 13:
Disse o SENHOR a Samuel: Até quando terás pena de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que não reine sobre Israel? Enche um chifre de azeite e vem; enviar-te-ei a Jessé, o belemita; porque, dentre os seus filhos, me provi de um rei.
Convidarás Jessé para o sacrifício; eu te mostrarei o que hás de fazer, e ungir-me-ás a quem eu te designar.
Perguntou Samuel a Jessé: Acabaram-se os teus filhos? Ele respondeu: Ainda falta o mais moço, que está apascentando as ovelhas. Disse, pois, Samuel a Jessé: Manda chamá-lo, pois não nos assentaremos à mesa sem que ele venha.
Então, mandou chamá-lo e fê-lo entrar. Era ele ruivo, de belos olhos e boa aparência. Disse o SENHOR: Levanta-te e unge-o, pois este é ele.
Tomou Samuel o chifre do azeite e o ungiu no meio de seus irmãos; e, daquele dia em diante, o Espírito do SENHOR se apossou de Davi. Então, Samuel se levantou e foi para Ramá.
O que tem de comum nessas Unções?
Foi derramado azeite na cabeça dos dois Reis escolhidos por Deus nosso Senhor.
Desde a Coroação dos Reis Visigodos de Toulouse, os Reis cristãos foram ungidos com azeite, também, chamados de Óleos Santos.
Querendo uns, ou não querendo outros, foi vital para a Civilização Judaico-Cristã a conversão dos Reis dos Francos, daí a grande relevância que tem o Batismo de Clovis, o unificador da Gália incluindo partes do oeste da Alemanha, e porquê? 
Porque as Tribos Bárbaras, bem como a civilização romana imperial, eram politeístas, tinha vários deuses.
A mitologia nórdica ou mitologia germânica é tão rica quanto a mitologia greco-romana.
Deuses como Wōdanaz, também, conhecido como Odin, deus poderoso portador da vitória, sábio e poético, mágico e curador, que foi por Tácito reconhecido como Mercúrio em seu trabalho intitulado “Germania”, como Týr, deus maneta associado com a lei e heroica glória, que foi por Tácito reconhecido como Marte em seu trabalho intitulado “Germania”, como Thor e seu martelo Mjölnir, deus da força, do trovão, da tempestade, de proteção para os homens, que foi por Tácito reconhecido com Júpiter, dos romanos, e Hercules dos gregos em seu trabalho intitulado “Germania”, as deusas femininas como Nerthus ou Hertha, “a mãe terra, representando a fertilidade da terra cultivada, que passeava em um carro que era puxado por duas vacas”, aquém apresentavam sacrifícios “oferecidos em um lago, o que foi interpretado como a ilha dinamarquesa de Funen”, conforme escreve Tácito em seu trabalho intitulado “Germania”, como Frijjō ou Frigg, mulher de Odin/ Wōdanaz, deusa do amor, da sabedoria, mãe de Thor e de Balder ou Baldur, o belo deus da luz e da pureza, que levava a justiça, a paz e a boa vontade aos lugares que visitava, que despertou a ira de Loki, deus da mentira, da trapaça ligado à magia e pode assumir a forma que quiser, a ponto de tanta inveja mata-lo, enfim eram cultuados, pois Saga, através de seus contos, lembrava sempre os feitos gloriosos dos habitantes da “cidade de Asgard”, os Ases, portanto nada mais natural do que se considerar os líderes das Tribos como descendentes diretos dessas divindades e esse era o grande empecilho para a Evangelização dos antigos povos que habitavam a velha Europa, nome derivado da deusa grego-fenícia raptada por Zeus, filha de Agenor, Rei de Tiro e Sidon, e de Teléfassa, a egípcia filha do deus Nilo.
Assim, Agenor, Rei de Tiro e Sidon, desesperado virou o mundo em busca de sua filha passando “por muitos lugares, lugares que agora são conhecidos como França, Alemanha, Itália… e como as pessoas que habitavam esses sítios na antiguidade escutavam em toda a parte o nome de Europa, decidiram chamar assim à terra que hoje em dia é o continente de Europa”.
Ora, Chlodovechus ou Clovis I, Rei dos Francos salianos de Tournai, da Dinastia Merovíngia, era considerado herdeiro das divindades e portanto venerado. Sua autoridade residia exatamente nessa condição como poderia então abrir mão dela, assim sem mais aquela, em prol do jacente cristianismo europeu?
“Quebrando tais vínculos “sagrados”, não deveria o monarca temer uma diminuição de sua autoridade?”
Clovis I, um hábil político, não temeu.
Além do que contava ele com a lealdade dos ‘antrustions’, uma tropa armada que lhe ajudou a conquistar os domínios recebendo grandes vantagens a época.
Os ‘antrustions’ compunham uma guarda de corpo cujos membros faziam juramento de fidelidade absoluta, geral, irrestrita, com suas mãos dentro das mãos do Soberano, denominado de trustis e Fidelitas, que com o tempo foi perdendo sua força militar e política.
Ora, se o Soberano havia decidido se converter ao cristianismo nada mais natural que eles, dentro do escopo de fidelidade, também, se convertessem.
O que aconteceu em 24 de dezembro 496 quando São Remy, Bispo de Reims e apóstolo da Francos, batizou não só a Chlodovechus ou Clovis I, como, também, a todos os seus guerreiros ‘antrustions’ e outros membros menos votados da Corte Rei dos Francos, que segundo São Gregório, Bispo de Tours, foram 3.000 francos
Foi um sucesso cristão sobre os deuses da mitologia nórdica, das divindades dos francos, das divindades germânicos, e com isso podemos considerar que esse Fato Histórico foi vital para a Civilização Judaico-Cristã.
O Batismo de Chlodovechus ou Clovis I tinha que estar envolta em uma grande mística e assim aconteceu, vamos aos fatos segundo São Gregório, Bispo de Tours:
“Chegando ao limiar do batistério, onde os bispos reunidos para a circunstância tinham se postado para se juntar ao cortejo, foi o rei que, tomando por primeiro a palavra, pediu a São Remy que lhe conferisse o batismo. Respondeu-lhe o prelado:

“"Incline a cabeça, sicambro* orgulhoso; adore Aquele que você queimou, e queime o que você adorou." [sicambro,*referência a um povo antiguíssimo da Gália]”.
 “Em seguida, tendo entrado na piscina batismal, recebeu a tripla imersão sacramental em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
“Ao sair do batistério, administrou-se lhe ainda o sacramento da confirmação, segundo o uso vigente nos batismos de adultos”.
“Aos personagens principescos aplicou-se o mesmo procedimento”
“Após essa cerimônia, dar-se-ia a sagração do Rei”.
“Nessa ocasião, teve lugar um prodígio: surgiu uma pomba trazendo no bico uma ampulla (pequena garrafa, frasco, ampola) com óleo, com o qual Clóvis foi sagrado”.
“Hincmar, Arcebispo de Reims, anos depois, já na época de Luís, o Pio, filho de Carlos Magno, escreveu que uma pomba angelical, havia trazido a ampulla com óleo santo em seu bico e entregue a São Remy para ungir a testa de Clovis no seu batismo e assim todos ficassem sabendo da Vontade de Deus em relação ao escolhido, que como Ungido, assim como foram os Reis do Israel Bíblico, era o instrumento do Divino Criador, um ser sagrado, que deveria ser honrado, respeitado e venerado como tal”.
“Hincmar ao escrever sobre o Batismo de Clovis afirmou que ele foi “ungido com a Crisma (óleo de oliveira) que recebeu do céu, que ainda temos”.
Descreve a cerimonia do Batismo em massa afirmando que “ocorreu fora da igreja por causa da multidão de pessoas, que não poderia entrar para receber o Crisma” (leia-se o óleo que é o elemento básico da crisma).
Não havia Crisma para tal multidão.
Que para resolver a situação que “São Remy olhando para cima e mãos no ar, começou a orar em silêncio, e eis uma pomba, mais branca do que a neve, trouxe em seu bico uma pequena ampulla cheia de crisma. Todos os presentes foram tomados por uma doçura indizível, e o santo pegou a pequena ampulla do bico da pomba que imediatamente desapareceu a vista de todos”.
O conteúdo da Santa Ampola (Sainte Ampoule) era o elemento fundamental da Sagração dos Reis de França desde
Luís, o Pio ou Piedoso, que foi ungido Rei em 5 de outubro de 816, pelo Papa Estêvão IV, juntamente com sua esposa Ermengarda de Hesbaye, na Catedral Notre-Dame de Reims, até Luís XVI, em 11 de junho de 1775.
Três Reis não foram coroados em Reims: Luís VI (soberano de 29 de julho de 1108 a 1 de agosto de 1137) na Catedral de Orleans, Henrique IV em 27 de fevereiro de 1594 na Catedral de Chartres e Louis XVIII que nunca foi ungido e sim aceito após jurar Constituição de 1814.
Carlos X foi coroado em Reims em 29 de maio de 1825, mas não com o conteúdo místico usado em seu irmão Luís XVI, pois a “Santa Ampola (Sainte Ampoule) foi quebrada em 8 de outubro de 1793 por Philippe Rühl, alemão, deputado para Bas-Rhin, Alsácia, a Convenção Nacional, dentro dos Movimentos da Revolução Francesa de 1789, gesto classificado como “zelo revolucionário”.  Rühl se suicidou.
 “Gregory Tours não falar deste milagre, no entanto, pertencia à tradição oral da Igreja de Reims” e até os nossos dias o assunto é objeto de estudos”.
A Coroação dos Reis ou Rainhas da Inglaterra, também, tem seu lado místico, para lembrar a Unção dos Reis Bíblicos, através de Óleo Santo, ou Crisma, ou Óleo de Oliveira, depositado em uma “santa ampola” que foi usada pela primeira vez na coroação de Henrique IV, em 13 de outubro de 1399, e que segundo a lenda foi doada por Maria, a Mãe do Senhor, São Thomas Becket (Saint Thomas of Canterbury).
Junto com a ampola há uma colher que serve de instrumento de distribuição do óleo de oliveira pela pessoa do soberano.
Enfim, as monarquias de todos os tempos precisam de Deus, de uma manifestação da Divindade, para sacralizar a pessoa do Monarcas, do Soberano, sem o qual elas não sobrevivem.

                                                                                                      

Sagração de São Luís, Rei de França 

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